A pandemia evidenciou que em certas situações a ação do Estado é essencial. A sociedade e o setor privado não conseguiriam, por exemplo, providenciar leitos hospitalares para todos os que precisaram, não forneceriam auxílios emergenciais aos que ficaram sem renda e não providenciariam acesso universal à vacina. O mercado costuma ser eficiente para produzir, mas não consegue distribuir adequadamente o resultado da produção, pois o acesso a bens e serviços destina-se apenas aos que podem pagar por eles, deixando de fora largas porções da população.
Há, no entanto, uma corrente de pensamento que enfatiza a atuação dos grupos de interesse em favor de subsídios, isenções e proteção, a busca de privilégios pelos funcionários e dirigentes públicos, a corrupção, entre outras mazelas e deficiências, denominadas genericamente de falhas de governo. Estas seriam maiores do que os problemas que a ação governamental supostamente corrigiria. Por essa razão, preconizam a interferência estatal mínima.
Essa visão, embora exerça forte apelo e faça algumas observações pertinentes, ignora alguns fatos relevantes. As economias que vão bem conseguem associar o alto poder produtivo do mercado e a energia inovadora da sociedade e das empresas com um papel distributivo para o Estado, e, a partir daí, obter um elevado grau de bem-estar social. Além disso, o Estado também desempenha um forte papel no apoio à ciência básica, essencial para o desenvolvimento de tecnologias que serão aproveitadas pelo mercado. A professora Mariana Mazzucato, da Universidade de Sussex, por exemplo, lista uma série de produtos que só se tornaram possíveis graças a pesados investimentos governamentais em pesquisa. Desde a Internet às tecnologias que permitem tocar telas sem teclado ou mouse (touchscreen), o financiamento governamental foi decisivo. A Apple, por exemplo, só pôde lançar o Iphone porque essa tecnologia havia sido desenvolvida na universidade, financiada com bolsas de estudo do governo.
Um Estado pesado e que atrapalha deve ser contido, mas é de se ressaltar que não se pode ignorar o seu papel essencial e estratégico em certas áreas. O enfrentamento da pandemia do coronavírus foi um ótimo exemplo para reafirmar essa questão.
“O Povo”, 18/09/2021