A ADPF 854 e o aperfeiçoamento do processo orçamentário brasileiro

Até alguns anos, a principal crítica ao processo orçamentário brasileiro era sobre sua artificialidade, frequentemente se repetindo o bordão de que o orçamento seria uma “peça de ficção”, de que o orçamento real era o decreto de programação orçamentaria e financeira editado no começo de cada ano pelo Poder Executivo. Em tal decreto, corrigiam-se os supostos excessos cometidos pelo Poder Legislativo na apreciação e aprovação da lei orçamentária. Era generalizada a sensação de que o orçamento não cumpria seu papel de instrumento de planejamento e de transparência sobre a atividade governamental (Lima, 2016).

Entre as soluções, discutiam-se as vantagens de adotar um orçamento impositivo, nos moldes dos Estados Unidos, em que o Poder Executivo fosse obrigado a cumprir integralmente a programação aprovada no parlamento, deixando o orçamento de ser meramente autorizativo. A Lei Responsabilidade Fiscal tentou regulamentar o tema, estabelecendo as condições necessárias para o contingenciamento (artigo 9°), mas sem sucesso.

Até PECs foram propostas (PEC 22, de 2000, por exemplo), que obrigava ao cumprimento integral da programação orçamentária, salvo se o Congresso Nacional aprovasse a não execução total ou parcial de alguma dotação.

Esse jogo começou a mudar com a Emenda à Constituição nº 86, de 2015, que obrigou o Poder Executivo a executar o correspondente até 1,2% do valor do orçamento do ano anterior de emendas individuais dos parlamentares.

Posteriormente, com a Emenda à Constituição nº 100, de 2019, ampliou-se a obrigatoriedade de execução para as emendas de bancada. De início, vastos setores da sociedade encararam as mudanças como avanços institucionais, por ampliarem a participação do Legislativo, desconcentrando poder e expandindo as possibilidades de identificação das prioridades locais no orçamento federal. De certa forma, abria-se a perspectiva de aperfeiçoamento do federalismo brasileiro, no sentido de descentralização das receitas.

Mas o parlamento não parou por aí. A instituição das chamadas emendas de relator (RP-9) de execução obrigatória gerou um grande mal-estar. É que o relator-geral passou a interferir na fase de execução do orçamento, distribuindo recursos com ampla discricionariedade e com baixa transparência. A mídia rapidamente criou o bordão de orçamento secreto, enfatizando que a publicidade estaria fortemente comprometida (Estadão, 8/5/2021, por exemplo). Além disso, foi se tornando evidente que o controle de parte expressiva do orçamento discricionário federal pelo Poder Legislativo era excessivo, sem precedentes em outros países, o que contribuía para fragmentação indesejada dos escassos recursos públicos.

A lógica das transferências não era guiada pelo planejamento, de acordo com as taxas de retorno social, mas quase que exclusivamente em função dos acordos políticos locais. Nesse sentido, parlamentares destinariam mais recursos para municípios que lhes garantissem maiores votos e não para aqueles que tivessem mais necessidades. O motivo condutor das transferências não era a eficiência ou a taxa de retorno social, mas apenas de dividendos políticos. Para piorar as coisas, explodiram notícias de corrupção. Se a transparência é menor, as oportunidades de desvios de toda ordem obviamente se ampliam.

https://www.conjur.com.br/2024-dez-30/a-adpf-854-e-o-aperfeicoamento-do-processo-orcamentario-brasileiro

Consultor Jurídico, 30/12/2024.

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