Emendas parlamentares, democracia e a urgência da avaliação de políticas públicas

O debate sobre emendas parlamentares tem sido intenso nos últimos anos. No Supremo Tribunal Federal, chegaram ações diretas de inconstitucionalidade por omissão e arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) que questionaram a legalidade e a legitimidade do pejorativamente chamado “orçamento secreto” e, mais amplamente, os mecanismos de execução das emendas individuais e de relator. Essas iniciativas judiciais evidenciam a gravidade do tema e a preocupação com os riscos de captura e desvio de finalidade no processo orçamentário [1].

Parte expressiva da opinião pública, dos meios acadêmicos e das instituições de controle insiste nos riscos conhecidos: falta de transparência, pulverização e fragmentação dos recursos, captura clientelista e potenciais práticas de corrupção. Esses pontos são cruciais e não podem ser ignorados. Mas há uma dimensão quase ausente na discussão nacional e que merece destaque: a avaliação do impacto social das emendas parlamentares.

A transparência, por si só, não é suficiente. Saber quem indicou a emenda, o valor alocado e o destino geográfico é apenas o primeiro passo. Em uma democracia madura, a questão essencial é outra: o que cada emenda efetivamente entregou à sociedade? Houve melhoria mensurável na saúde local, na qualidade da educação, na mobilidade urbana, no saneamento básico ou em outras dimensões da vida cotidiana?

É preciso medir o impacto da emenda

Sem medir impacto, o debate se restringe a critérios formais. Pior: pode naturalizar a ideia de que a mera execução da emenda é, em si, um benefício democrático, quando, na verdade, o relevante é o quanto ela contribui para reduzir desigualdades, aumentar oportunidades e melhorar o bem-estar social.

Em países que avançaram na governança democrática, consolidou-se a noção de que políticas públicas precisam ser avaliadas com base em evidências. A Emenda à Constituição nº 109, de 2021, foi um marco importantíssimo, ao expressamente incluir a exigência de avaliação de políticas públicas. Isso deve incluir testes de impacto, indicadores comparativos, estudos de custo-benefício e análises longitudinais. A mesma lógica deve ser aplicada às emendas parlamentares.

Cada emenda parlamentar é, de fato, uma micropolítica pública. Pode financiar a construção de uma escola, a compra de equipamentos hospitalares, a pavimentação de uma via ou o patrocínio de eventos culturais. A questão é: em que medida esse gasto produziu resultados tangíveis para a população?

A avaliação não precisa ser excessivamente onerosa ou tecnocrática. Há metodologias acessíveis e factíveis:

  • Indicadores de resultado: número de leitos adicionais em hospitais, alunos beneficiados, quilômetros de saneamento implantados.
  • Comparação contrafactual: avaliar municípios semelhantes sem a emenda para verificar se houve diferença significativa.
  • Auditorias de impacto: realizadas por tribunais de contas, universidades ou centros de pesquisa independentes.
  • Transparência ativa com avaliação: portais que não apenas informem os valores, mas relatem resultados e indicadores sociais vinculados a cada emenda.

Vitória da democracia representativa

A democracia representativa ganha quando os parlamentares podem responder à pergunta central: “qual foi o impacto da minha emenda na vida das pessoas?”. E o gasto público melhora quando a alocação de recursos passa a ser orientada não apenas por negociações políticas, mas também pela evidência de impacto social.

O Brasil já avançou na criação de órgãos de controle, na institucionalização de leis fiscais e na expansão da transparência. O próximo passo é claro: trazer a avaliação de políticas públicas para o centro do debate público, incluindo as emendas parlamentares.

As ADPFs que chegaram ao STF mostram que a judicialização do tema é inevitável diante das distorções mais graves. Mas decisões judiciais, por mais relevantes que sejam, não substituem a tarefa política e técnica de avaliar o impacto concreto das emendas. Só assim será possível superar uma visão meramente formalista e construir uma cultura democrática orientada por resultados, na qual cada real alocado pelo orçamento público seja testado à luz de sua contribuição efetiva para a sociedade [2].

[1]: STF, ADPF 850, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 19.12.2022, que declarou inconstitucional a execução de emendas do relator sem critérios objetivos e transparentes.

[2]: Ver também ADPFs 651 e 854, que reforçaram a necessidade de publicidade e controle das emendas parlamentares.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-set-28/emendas-parlamentares-democracia-e-a-urgencia-da-avaliacao-de-politicas-publicas/

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