A parada da economia e o papel do Estado

As projeções da Economist Intelligence Unit apontam uma queda de 5,5 por cento no PIB brasileiro em 2020. O presidente da entidade que representa os fabricantes de veículos (Anfavea) reclama que as vendas de veículos caíram 85% no fim de março e que os estoques são suficientes para dois meses de vendas. Em todo lugar, escuta-se um líder empresarial reclamando da retração. Infelizmente, era essa mesmo a ideia. Parar a economia, isolar as pessoas para evitar que o vírus se espalhe velozmente.

É claro que o remédio é amargo, melhor seria não ter de tomá-lo, mas, assim como um paciente que sofre de grave enfermidade e vai ter de fazer uma cirurgia complicada, de recuperação lenta e sofrida, porque a alternativa é pior, a economia brasileira (assim como a do restante do mundo) vai se retrair fortemente. Vai ser sofrido, vai exigir sacrifícios, mas o outro caminho é ainda mais dramático e desconhecido.

O papel do governo é chave. Formou-se no Brasil um certo sentimento contra a atuação do Estado na economia, associando-o à ineficiência e corrupção. Mas ideologia costuma atrapalhar. Turva as ideias. O importante é observar o que funciona bem e pragmaticamente adotar as medidas. Uma das grandes contribuições dos ganhadores do Prêmio Nobel em Economia Esther Duflo e Abhijit Banerjee foi enfatizar o mal que a ideologia faz para a implementação de boas políticas públicas.

O setor privado reage a incentivos, busca as maiores taxas de retorno para aplicar seus recursos. Por isso que o papel do Estado é tão importante, principalmente nesses momentos de crises agudas. Quem vai investir em respiradouros e UTIs para quem não pode pagar? Excluindo as iniciativas filantrópicas, importantes, mas absolutamente insuficientes, é o Estado que vai priorizar essas providências. Quem vai oferecer linhas de financiamento essenciais, mas de elevado risco?

O Estado deve utilizar seus instrumentos para reativar a economia? Claro, mas não agora. No momento, sua força serve para, ao contrário, segurar a economia.E para proteger os mais fracos. Daí a importância das transferências diretas a pessoas que ficaram sem renda, da postergação do pagamento de certos tributos e do oferecimento de linhas de crédito emergenciais para garantir o pagamento dos custos fixos, entre eles os de empregados que estão em isolamento. Mas não é o momento, por exemplo, de largas linhas de financiamento para investimento. Quando a pandemia estiver controlada, aí, sim, caberá um conjunto de medidas para compensar os graves efeitos da parada.

Aqui, um erro de muitos analistas, cujo pensamento é turvado pelo preconceito contra o Estado. Eles ressaltam que a excepcionalidade deve ser abandonada o mais rápido possível, voltando-se às rígidas exigências das regras fiscais logo após o controle da epidemia.É como tirar os antibióticos do paciente que saiu da UTI. O momento das fortes medidas será depois da pandemia. É para reconstruir os escombros deixados por ela.

A questão federativa é também muito relevante. A arrecadação de ICMS caiu drasticamente. Em muitos Estados, mais de 30% em março, com perspectivas de quedas ainda mais significativas nos próximos meses. Ao mesmo tempo, as despesas explodiram, afinal são Estados e também Municípios que estão na linha de frente do problema. Mas eles não têm banco central e têm capacidade de endividamento muito limitada. Algumas medidas já foram anunciadas, como a manutenção dos repasses de FPE e FPM nos patamares de 2019 e suspensão de pagamentos de encargos de dívidas com a União, o que representam alento, mas parecem insuficientes.

Outra vez o argumento de que a ideologia não pode atrapalhar, as transferências da União para os demais entes federados têm que chegar rápido e no montante adequado. Caso contrário, serviços essenciais serão interrompidos.

Os instrumentos que já foram testados mundo afora terão que ser utilizados em larga escala. A crise de 2008 nos forneceu lições importantes, principalmente de que o Banco Central pode fornecer liquidez quase ilimitada de forma a evitar uma recessão profunda, com baixa repercussão inflacionária. O BNDES, tão criticado nos últimos anos, terá quer ser fortemente revitalizado. É claro que tudo feito com máxima transparência e amplo controle das instituições e da sociedade. Mas terá que ser feito. Sem timidez. Sem preconceitos ideológicos. Sem tais providências, o caminho é a depressão profunda, de longa duração, com custos sociais e econômicos incalculáveis.

*Edilberto Carlos Pontes Lima (Pós-Doutor em Economia. Autor de Curso de Finanças Públicas, Uma Abordagem Contemporânea)

“O Povo”, 13/04/2020

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