2020 foi o ano em que a natureza reafirmou o seu poder e expôs a fragilidade radical do ser humano. Um velho ditado diz que enquanto os homens estão fazendo planos, Deus está dando gargalhadas. Mas o homem, na sua infinita arrogância, parece não conseguir aprender a lição, repetida tantas vezes ao longo da história, sobre a incerteza absoluta em relação ao próximo dia. Daí não seguir a lição do Livro de Jó: “Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é o entendimento.”
Muita gente partiu, muita gente sofreu horrores em leitos de hospital, muitas lágrimas, muita tristeza. A pandemia do coronavírus fez e continua fazendo estragos, mas a humanidade trabalhou duro para enfrentar e superar as dificuldades. A vacina, que já começa a ser aplicada em muitos países, é fruto desse esforço e a vida poderá voltar ao normal em 2021. Esperanças se renovarão de um mundo melhor, mundo que é uma obra sempre em construção. Que se faz, se desfaz e se refaz continuamente. Os caprichos da natureza vão limitando e dando os contornos desse esforço humano. Ação da natureza e obra humana, portanto.
Para termos mais riqueza, mais igualdade na distribuição, mais democracia, mais participação, mais educação, mais saúde, mais cuidado com o meio ambiente, mais árvores, mais segurança nas ruas, mais livros, mais filmes, mais amor, mais respeito e tolerância, mais felicidade, a peleja do ser humano há de ser grande e constante, mas sempre limitada pelas circunstâncias. Se é impossível controlá-las, há que se adaptar, daí a segunda parte da famosa sentença de Ortega y Gasset: “Se não a salvo (a circunstância), não me salvo”. Compreender o poder da natureza e de Deus, portanto, não é assumir atitude de passividade diante da vida. É apenas diminuir a arrogância e continuar trabalhando duro. Jesus repetiu várias vezes: “Não tenhais medo”. Mas aconselhou temer e afastar-se do que pode destruir a alma.
Para que o novo ano e a nova década sejam bem melhores, faz bem quem seguir uma lição de Montaigne: “resguardar o simples, manter o objetivo em vista e seguir a natureza.” Um excelente 2021!
“O Povo”, 02/01/2021