Um dos fenômenos editoriais do momento é a profusão de livros sobre democracia e sua antítese, a ditadura. De Madeleine Albright, com seu ótimo “Fascismo: um alerta”, passando por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Como as democracias morrem), Yascha Mounk (O povo vs. democracia: porque nossa liberdade está em perigo e como salvá-la), Adam Przeworski,(Crise da democracia) e Anne Applebaum (Crespúsculo da democracia), para citar os mais conhecidos. Além disso, autores clássicos sobre o tema têm sido revigorados, com suas principais obras sendo reeditadas e discutidas. É raro um debate que não invoque o magistral “1984”, de George Orwell, e suas várias imagens, poderosas e assustadoras.
O fenômeno é tão forte que Dorian Lyns-key escreveu um ótimo livro, espécie de biografia de “1984”, intitulado “O Ministério da Verdade”, o órgão responsável, no romance de Orwell, pela máquina de propaganda de Oceania, em que o personagem principal, Winton Smith, trabalhava. “Obra de arte e uma maneira de ler o mundo” é a avaliação de Lynskey sobre o mais importante trabalho de Orwell. Em nossa época, o termo “fakenews” se difundiu. É uma versão contemporânea da propaganda e uma das faces mais presentes das ditaduras: os fatos são irrelevantes, porque divulga-se apenas o que interessa, uma vez que, ausente a liberdade de circulação de ideias e de notícias, resta apenas a versão oficial.
Nas democracias, as múltiplas fontes de informação enfraquecem as possibilidades de as mentiras prevalecerem, mas já há pesquisas mostrando que muitas pessoas, mesmo com plena liberdade, vivem em verdadeiras “câmaras de eco”, só obtendo informações em redes e grupos que confirmam suas crenças e preconceitos. Obviamente, um terreno fértil para a mentira florescer. Tantos livros escritos, tantos alertas sobre os perigos que a democracia corre, não são, obviamente, meros devaneios. A ditadura é uma realidade hoje em inúmeros países e muitos que a superaram convivem com saudosistas ávidos por revivê-la. Senão há ainda “Ministério da Verdade” na maior parte do mundo ocidental, há uma indústria de desinformação atuando com muita desenvoltura. Fiquemos alertas.
“O Povo”, 21/08/2021