Uma das discussões mais acaloradas no âmbito da Proposta de Emenda à Constituição 186, que foi aproveitada para aprovar um conjunto de medidas visando a enfrentar o recrudescimento da pandemia, tratou da desvinculação de receitas para saúde e educação.
Pela regra atualmente vigente, Estados e Municípios devem gastar, das receitas de impostos, 25% na manutenção e desenvolvimento do ensino. Para a saúde, Estados devem gastar no mínimo 12% das receitas de impostos e os Municípios, 15%.
A União desvinculou esses percentuais, que eram de 18% e 15%, quando aprovou a Emenda à Constituição 95, no fim de 2016. Desde então passou a reajustar anualmente os valores efetivamente gastos em 2016 pelo percentual da inflação.
Há uma reclamação frequente de gestores e legisladores de que o orçamento público é muito engessado, de que a cada ano praticamente não há espaços para tomada de decisões, de revisão de prioridades, de novas escolhas políticas.
É como se os constituintes de 1988 tivessem decidido o que é relevante, restringindo fortemente as decisões das futuras gerações.
A grande vantagem das vinculações é o planejamento de longo prazo. Como se assegura um percentual mínimo para áreas prioritárias, é possível planejar ações para os anos seguintes, com razoável previsibilidade.
A grande desvantagem é que a sociedade muda, as prioridades se alteram. A mudança do perfil demográfico, por exemplo, exige mudança dos gastos públicos. Muitas pequenas e médias cidades têm convivido com êxodo dos mais jovens.
Há poucas crianças e, consequentemente, menor necessidade de escolas. Outras cidades, ao contrário, receberam grande número de jovens e crianças e precisam expandir a oferta de educação.
Os 25% obrigatórios serão insuficientes para as segundas, mas poderão ser demasiados para as primeiras, que precisariam gastar mais em saúde e em assistência a idosos, por exemplo, mas não poderão fazê-lo.
O Congresso Nacional em boa hora recuou da proposta. O contexto de uma pandemia certamente não é adequado para uma discussão fundamental, mas que precisa ser muito amadurecida, para não representar um retrocesso.
“O Povo”, 06/03/2021