Pacto federativo e equilíbrio fiscal

A Proposta de Emenda à Constituição nº 188, de 2019, enfraquece o princípio federativo. Embora os que a patrocinam argumentem em favor de seu caráter descentralizador, na prática, ela promove forte concentração na federação brasileira. Se de um lado promete distribuir – na forma da lei – parte dos recursos da União dos royalties do petróleo e gás natural para estados e municípios, de outro centraliza a interpretação das normas de finanças públicas. Faz isso de diversas maneiras, principalmente ao criar um efeito vinculante para decisões do Tribunal de Contas União (TCU). Ou seja, um órgão exclusivamente federal, o TCU, vai impor suas decisões aos demais entes federados, estados e municípios.

Os que a defendem insistem em críticas de que os tribunais de contas estaduais não agiram corretamente em alguns casos, contribuindo para o desequilíbrio. Não deixa de ser inusitado, contudo, o fato de os maiores desequilíbrios fiscais brasileiros estarem na União, segundo dados do Banco Central. Em 2019, por exemplo, enquanto estados e municípios, no conjunto, registraram superávit primário de mais de R$ 15 bilhões, o governo federal teve o sexto ano seguido de expressivo déficit primário, quase R$ 90 bilhões. Quem tem déficit vai dar lições e ditar regras para quem apresenta superávit?

Claro que a busca do equilíbrio fiscal intertemporal é fundamental. Certamente há muito para aperfeiçoar no sistema de controle fiscal brasileiro. Há estados e municípios fazendo um bom trabalho e outros que desandaram, como o noticiário fartamente tem mostrado. Mas é preciso partir de um diagnóstico correto. Não é centralizando decisões e enfraquecendo a autonomia dos entes federados, princípio basilar da Constituição brasileira, que se vai avançar.

Federação envolve pactuação, diálogo intenso, coordenação, não hierarquização. Não é transformando estados e municípios em meros departamentos da União, sujeitando-os a decisões de órgãos exclusivamente federais, que se vai garantir o equilíbrio orçamentário. Ao contrário, os problemas tendem a piorar na medida em que se aplica o mesmo remédio para situações díspares em uma federação assimétrica como a brasileira.

“O Povo”, 10/08/2020

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