Celso Furtado: 100 anos

Os 100 anos de nascimento de Celso Furtado têm sido, felizmente, muito celebrados. A Unipace e o Observatório de Fortaleza realizaram recentemente um belo evento. Furtado teve uma vida longa e intensa, engajou-se profundamente no desenvolvimento brasileiro, criou instituições, se envolveu com a política, inclusive a partidária, e influenciou – e continua influenciando – muitas pessoas.

Entre os seus muitos livros importantes, como Formação econômica do Brasil, A nova dependência, entre outros, um particularmente interessante é a compilação de suas reflexões íntimas, na forma de diário, que foi organizado por Rosa Freire D’Aguiar, intitulado Diários intermitentes. Ali, lemos – às vezes com ironia e acidez – as notas da obstinação e todos os percalços de Celso Furtado para a criação da Sudene, as perseguições que sofreu, a angústia do exílio, a participação na reconstrução democrática do País. Tudo isso de uma perspectiva muito própria, de um intelectual que teve como interlocutores presidentes da República, líderes políticos e acadêmicos de grande destaque.

Em 1960, a barragem do açude Orós, então recém-construído, cedeu, deixando milhares de pessoas desabrigadas e cidades inteiras inundadas. Furtado relata um diálogo com o então prefeito de uma cidade atingida, mostrando as nuances de nosso atraso econômico, social e cultural. A cidade poderia ser destruída pelas águas, mas o prefeito lhe ofereceu cerveja e champanha. Celso Furtado foi conversar com o povo, que se sentia apavorado e abandonado pelo poder público: “Por que não nos dão umas lonas para acampar nos lugares altos?”. Enquanto isso, a elite já havia abandonado a cidade, incluindo a família do prefeito.

Em muitas questões, pouco evoluímos, o Brasil continua muito desigual (pessoal e regionalmente), a falta de empatia persiste, mas muita coisa melhorou também. Por exemplo, pouco se fala no FMI atualmente – tema recorrente em vários momentos do livro, como a instituição sempre a exigir providências dos dependentes governos brasileiros – a inflação deixou de ser um problema central, entre outros avanços.

“O Povo”, 03/08/2020

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